segunda-feira, 10 de agosto de 2009

As padeiras de Avintes

"Estou a vê-las, ligeiras, joviais, azafamadas, de canastra à cabeça, mangas arregaçadas, seio alto e redondo, ancas perfeitas, bem modeladas, bamboleando os quadris e agitando os braços roliços, atravessar as ruas de Avintes, quais formigas diligentes, em corridas saltantes e saracoteadas. Os transeuntes diziam-lhes graças e galantarias; as vezes soltavam um dito picante e elas, motejo contundente que desconcertava, ou mofadora gargalhada que feria". Estas são algumas das palavras que João Alves Pereira dedicou às nossas padeiras.
Habituadas aos alvores da madrugada, estas mulheres mergu­lhavam as suas mãos fortes na massa do pão, posta aos bocados numa bandeja pequena ou escudela de madeira, levemente polvi­lhada com farinha e, com gestos dum ritual hierático, amassavam-na até que ela estivesse pronta para levedar. Nesse momento proferiam as palavras: "S. Mamede te levede! São Vicente te acres­cente! S. João te faça pão! A Virgem Nossa Senhora te deite a sua divina bênção e o Santíssimo Sacramento a sua divina virtude, pois eu da minha parte fiz tudo quanto pude!"
A massa ficava assim a repousar o tempo que fosse necessário e, depois, quando a abóbada do forno já estivesse clara, sinal de que tinha atingido a temperatura ideal de cozedura, a brasa era então puxada para a boca com o rodo, a borralha e as pequenas brasas varridas com o sorrascadoiro" e a broa redondinha e more­na, colocada em cima duma folha de couve fresca para não pegar, ia ao forno. Antes de barrada a porta, a padeira empunha de novo a pá e com ela traça, em largo gesto, o sinal da cruz, e pronuncia, dentro dos tradicionais ritos, as palavras litúrgicas: "Deus te acres­cente dentro e fora do forno, como pelo mundo todo"!
O tempo de cozedura é de cinco a seis horas, depois é só polvilhar as broas com um pouco de farinha e colocá-las dentro das canastras, para seguirem o seu destino rio abaixo.
Fosse tudo tão simples, e qualquer um fabricaria a broa de Avintes. Existem, no entanto, segredos escondidos em cada gesto do agricultor que cultiva o milho e o centeio, em cada rodar das mós dos moinhos do Febros, na atenção que o moleiro presta à fari­nha, na água puríssima das muitas fontes que existiam em Avintes, nas palavras mágicas que as padeiras segredavam durante a amas­sadura. São todos estes pequenos grandes momentos, nos quais estão implícitos uma crença, que dão o paladar único à nossa broa.
De manhãzinha, "pela encosta acima ou descendo o Esteiro, canastra à cabeça com a toalha alva cobrindo a broa corriam as padeiras no seu passo inimitável, equilibrando tão de leve e tão de leve sustendo tamanho peso, que mais parecia balouço para ador­mecer os filhos que para trás ficavam no colo das avós."



POSTAL - Padeira de Avintes.



Bem-haja



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