"Estou a vê-las, ligeiras, joviais, azafamadas, de canastra à cabeça, mangas arregaçadas, seio alto e redondo, ancas perfeitas, bem modeladas, bamboleando os quadris e agitando os braços roliços, atravessar as ruas de Avintes, quais formigas diligentes, em corridas saltantes e saracoteadas. Os transeuntes diziam-lhes graças e galantarias; as vezes soltavam um dito picante e elas, motejo contundente que desconcertava, ou mofadora gargalhada que feria". Estas são algumas das palavras que João Alves Pereira dedicou às nossas padeiras.
Habituadas aos alvores da madrugada, estas mulheres mergulhavam as suas mãos fortes na massa do pão, posta aos bocados numa bandeja pequena ou escudela de madeira, levemente polvilhada com farinha e, com gestos dum ritual hierático, amassavam-na até que ela estivesse pronta para levedar. Nesse momento proferiam as palavras: "S. Mamede te levede! São Vicente te acrescente! S. João te faça pão! A Virgem Nossa Senhora te deite a sua divina bênção e o Santíssimo Sacramento a sua divina virtude, pois eu da minha parte fiz tudo quanto pude!"
A massa ficava assim a repousar o tempo que fosse necessário e, depois, quando a abóbada do forno já estivesse clara, sinal de que tinha atingido a temperatura ideal de cozedura, a brasa era então puxada para a boca com o rodo, a borralha e as pequenas brasas varridas com o sorrascadoiro" e a broa redondinha e morena, colocada em cima duma folha de couve fresca para não pegar, ia ao forno. Antes de barrada a porta, a padeira empunha de novo a pá e com ela traça, em largo gesto, o sinal da cruz, e pronuncia, dentro dos tradicionais ritos, as palavras litúrgicas: "Deus te acrescente dentro e fora do forno, como pelo mundo todo"!
O tempo de cozedura é de cinco a seis horas, depois é só polvilhar as broas com um pouco de farinha e colocá-las dentro das canastras, para seguirem o seu destino rio abaixo.
Fosse tudo tão simples, e qualquer um fabricaria a broa de Avintes. Existem, no entanto, segredos escondidos em cada gesto do agricultor que cultiva o milho e o centeio, em cada rodar das mós dos moinhos do Febros, na atenção que o moleiro presta à farinha, na água puríssima das muitas fontes que existiam em Avintes, nas palavras mágicas que as padeiras segredavam durante a amassadura. São todos estes pequenos grandes momentos, nos quais estão implícitos uma crença, que dão o paladar único à nossa broa.
De manhãzinha, "pela encosta acima ou descendo o Esteiro, canastra à cabeça com a toalha alva cobrindo a broa corriam as padeiras no seu passo inimitável, equilibrando tão de leve e tão de leve sustendo tamanho peso, que mais parecia balouço para adormecer os filhos que para trás ficavam no colo das avós."
POSTAL - Padeira de Avintes.
Bem-haja
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
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